Memória Camponesa e Cultura Popular
Nome da Instituição: ASEPA – Associação para estudos e pesquisa em Antropologia, ligada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ
Projeto: Projeto de Cooperação Técnica “Apoio às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável” – PCT IICA/NEAD
Número do Contrato: 206046
Tema: Memória Camponesa e Cultura Popular
Objetivo da Consultoria: Desenvolver atividades de estudos relacionados ao resgate da memória das lutas no campo sobre a temática da Reforma Agrária
Produtos elaborados: Produto 2.5 Relatório Seminário Memória Camponesa São Paulo
Palavras chaves (até 5): memória camponesa, agricultura familiar, reforma agrária, conflito.
Projeto Memória Camponesa
Seminário Memória Camponesa - São Paulo
Relatório - Produto 2.5
Conforme previsto na proposta apresentada pela ASEPA / NUAP / Museu Nacional ao NEAD / MDA, este documento objetiva trazer uma descrição do Seminário “Memória Camponesa – São Paulo”, contendo ainda uma síntese dos depoimentos dos participantes e uma cópia da programação em anexo.
O seminário ocorreu no anfiteatro da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp nos dias 18 e 19/11/2008. A comissão organizadora do seminário foi composta pela Professora Sonia M. P. P. Bergamasco (Unicamp/IFCH), Vera Lúcia Botta Ferrante (UNIARA/ Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Regional), Ana Paula Fraga Bolfe e Marcos Botton Piccin. A realização do seminário contou também com a colaboração de Fernando Antonio Lourenço (Unicamp/IFCH), José Carlos Alves Pereira (Unicamp/ IFCH), Luiz Manoel C. de Almeida (Unicamp/FEAGRI), Tatiane Ramos Santos (Unicamp/ FEAGRI) e Patrícia Delgado Mafra (PPGAS/MN/UFRJ).
Abertura
O Seminário Memória Camponesa - São Paulo teve início às 9 horas da manhã de terça-feira, 18 de novembro de 2008, com a inscrição dos participantes. Seguiu-se então a mesa de abertura, com a presença dos promotores e dos coordenadores do evento, para dar boas-vindas aos participantes. A mesa foi composta pelo Professor Denis Miguel Roston, Diretor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp; pelo Professor Moacir Palmeira, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional – UFRJ e Coordenador do Projeto Memória Camponesa; o Professor Fernando Lourenço do CERES – Centro de Estudos Rurais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp; Márcia Andrade representando o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP); Sr. Leonando Pereira representando o Incra, substituindo o Sr. Raimundo Pires da Silva; e a Professora Sonia Bergamasco, coordenadora local do seminário e professora da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp.
O Professor Denis Miguel Roston iniciou o seminário dando boas-vindas aos participantes. Em seguida, o Prof. Moacir Palmeira falou da importância de São Paulo como um estado onde ocorreram lutas camponesas que não devem ser esquecidas e concluiu sua fala agradecendo à Prof.ª Sonia Bergamasco e à FEAGRI por sediar o seminário de São Paulo. O representante do INCRA agradeceu a todos pelo convite e elogiou o trabalho de resgate da memória camponesa por ir ao encontro da questão da reforma agrária. Enfatizou que a participação do Incra nesse seminário confirma o seu papel como parte das lutas pela terra. Posteriormente, Márcia Andrade fez um breve histórico da Fundação ITESP, da qual era a representante, desde seu nascimento no governo estadual de Franco Montoro no ano de 1983, num contexto de ausência de políticas públicas voltadas para os pequenos agricultores. Enfatizou também o papel dessa Fundação como mediadora entre o governo e os movimentos sociais, destacando que no ano de 1995, durante o governo Mário Covas, a Fundação ofereceu forte apoio à luta pela terra, por ter participado no Plano de Desenvolvimento do Pontal do Paranapanema, considerado por ela como um marco das políticas públicas voltadas para reforma agrária no estado de São Paulo. Finalizou sua fala lembrando que os trabalhadores rurais são os “verdadeiros protagonistas” dessa conquista e ofereceu ao coordenador do projeto, o Prof. Moacir Palmeira, um exemplar do livro publicado no ano de 2005 numa parceria com a Universidade de São Paulo, intitulado “Vozes da Terra”. O Prof. Fernando Lourenço (CERES / Unicamp/ IFCH) fez uma breve saudação aos participantes, ressaltou a importância da iniciativa de resgate da memória das lutas camponesas e em específico das conquistas realizadas no estado de São Paulo. Para finalizar a mesa de abertura, a Prof.ª Sonia Bergamasco revelou que se encontrava bastante emocionada em poder realizar o encontro, destacou a colaboração da Prof.ª Vera Lúcia Botta Ferrante e lamentou na sua busca por trabalhadores que vivenciaram o período pré - 1964 para participação no seminário, encontrar vários deles em condições difíceis de saúde e impossibilitados de se deslocarem até Campinas. Mencionou a importância do papel do estado de São Paulo, além dos movimentos do nordeste do país, como vanguardista dos movimentos de luta e conquista de terras. Agradeceu aos trabalhadores por terem comparecido e aos demais participantes.
Apresentação do Projeto Memória Camponesa
O professor Moacir Palmeira fez uma apresentação geral do projeto e um relato dos outros seminários estaduais, enfatizando a importância da iniciativa para a consolidação de uma rede, envolvendo diferentes universidades, sindicatos e movimentos sociais. Disse que a idéia de se fazer esse registro da memória das lutas camponesas partiu de um grupo de pessoas atentas à importância do campesinato e de suas lutas para a história do país e preocupadas com a sua perda, representada pelo desaparecimento progressivo de suas lideranças. Ao final de sua apresentação chamou o Sr. Waldomiro Cordeiro da Fetaesp para compor a primeira mesa do dia.
Mesa Redonda I
Memória Camponesa: o relato dos trabalhadores.
O Sr. Waldomiro Cordeiro nasceu em Santa Fé do Sul, no estado de São Paulo, onde foi pequeno agricultor e depois arrendatário até comprar quatro alqueires de terra na cidade de Rubinéia, onde permaneceu até 1972, quando ele e cerca de 800 famílias foram removidas pela Cesp (Companhia Energética de São Paulo), em virtude da construção da Barragem de Ilha Solteira, que inundou toda a região. Ele deu início à sua fala lembrando-se da criação do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos de Santa Fé do Sul, contexto em que ocorreram vários confrontos com a polícia e perseguições de lideranças, mais precisamente entre os anos de 1962 e 1974. Mencionou que o sindicato de Santa Fé do Sul atuou junto ao conflito do “arranca capim” durante os anos de 1961 a 1963, conflito que é visto como um marco do movimento pela reforma agrária no estado de São Paulo, com repercussão nacional e objeto de um documentário também projetado no seminário, mencionado mais adiante. O processo que deu origem ao conflito do “arranca capim” se deu quando um dos empreiteiros do suposto dono da terra, chamado de Zico Diniz, trouxe para região de Santa Fé do Sul, no final dos anos 50, trabalhadores rurais para formar pastagens à base de capim colonião, um capim muito bom para a engorda do gado. Nesse processo, muitas famílias chegaram com a expectativa de ficar na terra durante cinco anos, vivendo da lavoura. Mas uma seca prejudicou a primeira safra e Zico Diniz exigiu a entrega da terra. Logo em seguida, ante a recusa dos trabalhadores, ele ordenou que o capim fosse imediatamente plantado nas lavouras dos camponeses, os ranchos deles queimados e o gado fosse solto para destruir o que ainda restava de suas lavouras e que lhes servia de alimentação. Foi nesse tenso contexto que Jofre Correia Neto apareceu para organizar a defesa dos camponeses. Ele convocou a todos para uma operação chamada “arranca capim”, arrancando de suas lavouras o capim que o proprietário havia mandado replantar.
Sr. Waldomiro citou também a importância de um líder religioso chamado Aparecido Jacintho Galdino, de Rubinéia, que mobilizou a resistência dos moradores das áreas atingidas pela abertura da barragem de Ilha Solteira, também retratado no filme “Profeta das Águas” (projetado no ultimo dia do seminário). Em seguida, falou que embora o período dos anos 1960 e 1970 fosse um contexto adverso para demandas dos trabalhadores, havia um sentimento de união muito presente no movimento sindical daquele momento, pois aglutinava-se um grande número de trabalhadores, cerca de 300 a 400 pessoas, nas assembléias do sindicato. Em resposta a uma pergunta feita por uma aluna da universidade, se havia ocupação e de como era a luta para a conquista da terra nos anos 1960 e 1970, Sr. Waldomiro falou que havia uma comissão do Incra que avaliava as fazendas para serem indenizadas e alocadas para reforma agrária. Sobre a questão do meio ambiente, colocada por outra aluna da universidade, ele respondeu que naquela época era relativamente comum usar os recursos das matas, rios e florestas e que isso não era uma questão. Finalizou sua palestra afirmando que é preciso usar as terras devolutas, fazer um levantamento dessas terras sem escritura e colocá-las para reforma agrária, ao mesmo tempo oferecendo garantias às famílias assentadas.
O outro convidado a fazer parte da mesa, Francisco Urbano, ex-presidente da Contag, não pôde comparecer.
Mesa Redonda II
História da conquista da Fazenda Rebojo:
O relato dos trabalhadores.
Anadiu Damascena é agricultor do assentamento da Fazenda Rebojo e nasceu na cidade de Presidente Prudente, filho de pernambucano que migrou para São Paulo para trabalhar na Fazenda Rebojo. Ele iniciou seu relato apresentando as características gerais do Rebojo, sua localização na cidade de Estrela do Norte, a 60 quilômetros da cidade de Presidente Prudente. Segundo ele, não há muitas famílias remanescentes do assentamento de 1965 e falou das dimensões das terras que hoje variam entre 9 a 20 alqueires. Lembrou que no início, não podia criar gado e que a terra era apenas para cultivo agrícola e lamentou que, atualmente, os sítios do Rebojo estejam perdendo gente para o trabalho assalariado nas usinas de cana-de-açúcar.
Sebastião Bezerra Leite relatou que seu pai no início dos anos 1960 fora despejado juntamente com outros posseiros da Fazenda Rebojo e, ciente de que o suposto proprietário não tinha o título da fazenda, solicitou o apoio da igreja local para conseguir um advogado que o ajudasse a articular em Brasília o movimento de desapropriação da Fazenda Rebojo, entre os anos 1964 e 1965. Disse que em 1968 os títulos das propriedades foram concedidos para cada assentado. Relatou que foi feita também uma seleção nas cidades vizinhas para o assentamento de agricultores e os dois critérios utilizados eram: ser casado e ter até 60 anos de idade. A assistência técnica oferecida aos assentados na ocasião, era precária e segundo Sr. Sebastião não havia programas de empréstimos em dinheiro às famílias assentadas. A construção de cercas, poços, casas etc. deveria ser por conta do próprio assentado. Lembrou também que um dos posseiros que conseguiu terra no Rebojo foi ameaçado pela gerência do Banco do Brasil por não conseguir cumprir os prazos no acerto do empréstimo e que naquela época não havia advogado para interceder em favor do pequeno agricultor. Em seguida, fez uma crítica ao órgão que na época era responsável pela reforma agrária, o IBRA, por obrigar seus funcionários a fazer uma política de inviabilização da produção no assentamento, ponto enfatizado também em outra mesa do encontro relativa ao conflito ocorrido em torno da Fazenda Primavera no final dos anos 1970. Sobre a relação com os sindicatos, Anadiu Damascena falou que na área da saúde o sindicato era a única referência existente, por oferecer assistência médica aos seus sindicalizados em Presidente Prudente.
O terceiro convidado da mesa, o Sr. Paulo Menezes não pôde comparecer por dificuldades de deslocamento devido à sua idade avançada. Os trabalhos da Mesa II foram encerrados.
Mesa Redonda III
História da Conquista da Fazenda Primavera:
O relato dos trabalhadores.
A mesa foi composta por René Parren, ex-pároco que atuou junto aos posseiros no processo de desapropriação da Fazenda Primavera e pelo Sr. Valdeci Rodrigues de Oliveira, pequeno agricultor assentado na Fazenda Primavera. O Sr. João Figueiredo não pôde comparecer devido a problemas de saúde e a dificuldades de deslocamento até a cidade de Campinas. O Sr. Valdeci iniciou sua participação mostrando uma fotografia, em preto e branco, da ocasião em que recebeu pelas mãos do então Presidente da República, João Figueiredo, a escritura de sua terra na Fazenda Primavera. Lembrou inicialmente que viu, quando ainda jovem, seu pai e seu avô serem algemados e presos, e lamentou emocionado, a existência de muita perseguição e violência no final dos anos de 1950 e na década de 1960. Foi nessa ocasião que o Padre René Parren apareceu na Fazenda Primavera e segundo o Sr. Valdeci, foi ele quem incentivou a sua participação no movimento de conquista dessa fazenda. Nessa época, segundo ele, o Prefeito de Andradina, município onde fica a Fazenda Primavera, era da mesma família do suposto dono da fazenda, o Sr. Abdala, que por sua vez, era também parente de Paulo Maluf, o então governador de São Paulo. Em função disso, Sr. Valdeci declarou ter sentido receio de participar desse processo e nos relatou muito emocionado a seguinte história: um dos moradores da fazenda, chamado Adalberto, encaminhou para Brasília um pedido de desapropriação da Fazenda Primavera, por verificar que não havia escritura em nome do Sr. Abdala e quando voltou foi perseguido até a morte, assassinado na frente de sua filha por jagunços contratados pelo suposto proprietário. Disse que o Padre René Parren também foi “caçado igual a um animal”. Lembrou que fora injusto com o Padre René e aproveitou a ocasião para se desculpar publicamente por ter “virado as costas pra ele” quando representantes do Incra o acusaram de comunista naquela época. Relatou que o assassinato do Sr. Adalberto foi muito chocante, levando todos os moradores a fazer uma homenagem. Foi celebrada uma missa e, ao seu término, todos seguiram em passeata até ao fórum da cidade exigindo justiça. Sr. Valdeci enfatizou que essa homenagem mobilizou muita gente, o que pressionou o juiz. Ele considerou que o assassinato seguido dessa homenagem e da manifestação foram os elementos que precipitaram a desapropriação da fazenda “por tensão social para interesse de reforma agrária” no dia 8 de julho de 1980.
A partir de então, Sr. Valdeci apresentou uma série de críticas ao modo como foi feita à concessão das terras da Fazenda Primavera. Declarou que a documentação saiu muito rapidamente e que não houve apoio técnico às famílias assentadas. Ao contrário, ele disse que houve interesse do Incra em inviabilizar o assentamento e de passar a imagem de que “a reforma agrária não funciona” e que aquelas pessoas “não gostam de trabalhar” e, portanto “não teriam vocação agrícola”. Lamentou ter se deixado fotografar recebendo o título de posse de sua terra das mãos do Presidente da República, disse-nos que somente algum tempo depois constatou que a desapropriação fora usada politicamente. Emocionado, lembrou que as famílias assentadas tiveram que entregar sua terra como pagamento de dívidas contraídas com o Banco do Brasil. Por fim, fez uma comparação entre esse modelo apresentado de reforma agrária com o modelo atual. Disse-nos que tem registrado em fotografias o assentamento da Fazenda Belo Mundo e que, comparando essas fotografias com as que ele tem da Fazenda Primavera, é possível perceber uma enorme diferença na organização das vilas. Segundo ele, atualmente os assentamentos teriam certo planejamento, graças à presença de técnicos que orientam a produção e encerrou sua fala, ainda mais emocionado, dizendo que aquele dia (dia do seminário) fora “o melhor dia” de sua vida, por ter tido a oportunidade de se retratar publicamente ao Padre René, também presente na mesa.
René Parren iniciou seu depoimento relatando a sua chegada na região da cidade de Andradina para atuar na Paróquia São Sebastião na linha da Teologia da Libertação. A divisão das tarefas colocou o padre para fazer trabalho de base na Fazenda Primavera. Ressaltou que o medo ao qual o Sr. Valdeci se referia não era exagero, porque um levantamento prévio da região já apresentava esse quadro de violência extrema, motivo pelo qual aportou na Fazenda Primavera “na época do Abdala”. Enumerou os mecanismos de pressão exercido pelo Sr. Abdala: 1- cobrança de alto percentual da renda, pago em produto que era roubado no peso e pago com cheque pré-datado de outra praça, o qual o trabalhador somente conseguia trocar com o agiota, que por sua vez ficava com a metade do valor; 2- contratação de jagunços para vigiar a entrada e a saída da fazenda, 3- soltura do gado na roça do pessoal e 4- assassinatos e perseguições às famílias de moradores posseiros. Renné disse que a fazenda possuía naquela época 10 vilas que somavam um total de 9.250 hectares e que sua tarefa era atuar em uma das glebas para fazer levantamento das formas de contrato e acordo com o Sr. Abdala; levantar a produção; mediar assistência jurídica fora da comarca e denunciar internacionalmente a arbitrariedade e violência praticada contra os meeiros. Segundo René, foi esse movimento na fazenda Primavera que inspirou a organização do movimento dos trabalhadores sem terra no Pontal do Paranapanema e em outras regiões do estado do Paraná e do Rio Grande do Sul até a fundação do MST em 1984. Lembrou também que em 1982, com a vitória do MDB em São Paulo, começou a ser feito um levantamento das terras públicas no Estado. Ele finalizou sua fala noticiando que está em curso, no momento, uma política de reversão do quadro da Fazenda Primavera e que o Incra está envolvido nessa retomada de incentivos à “agricultura familiar camponesa” na região. Em seguida, foi aberta a rodada de perguntas. O Sr. Waldomiro perguntou sobre como o René, que é religioso, vê o projeto da Contag e os limites para a reforma agrária. Depois, Sr. Sebastião fez um comentário sobre a importância do que foi dito pelos dois participantes, pois esclareceu como as coisas haviam sido encaminhadas em Andradina. Por ultimo, o Prof. Moacir fez um comentário a respeito da atuação desse empresário no setor industrial, sobre informações de que houvera problemas com os operários e perguntou se houve algum tipo de articulação entre os camponeses e o operariado.
René Parren respondeu ao Prof. Moacir afirmando saber dos problemas do empresário com seus funcionários, mas desconhece qualquer articulação entre camponeses e operários ligados ao Sr. Abdala. Ele enfatizou a necessidade de uma política que limite o tamanho da propriedade de terra no país e falou que está em processo de negociação no Congresso Nacional a elaboração de um projeto que estabeleça esses limites, mas que está parado porque esbarra na questão dos índices de produtividade e na questão da correlação de forças políticas estabelecidas em Brasília. Finalizou afirmando que o problema da Fazenda Primavera foi o fato de terem considerado encerrada a questão da reforma agrária apenas com a conquista da terra e não terem continuado a reivindicar recursos para a manutenção da produção e notou que essa é a diferença fundamental entre os assentamentos desse tipo e os assentamentos decorrentes de pressão política desempenhada pelas ocupações. Nesse ultimo caso, segundo René, há uma maior consciência da necessidade de manter a pressão política para garantir a permanência das famílias nas terras. Foi dado por encerrado o trabalho na última mesa do dia.
Encerramento do primeiro dia do seminário
A programação do primeiro dia do encontro encerrou-se com a projeção do filme de Clifford Wellch, da UNESP de Presidente Prudente (SP), intitulado “A Guerra do Capim” e do filme “ABRA: Histórias de Luta pela Terra” de José Juliano de Carvalho Filho da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA e a apresentação do livro “Memória da luta pela reforma agrária no Brasil” de Luiz Antonio Cabello Norder da Universidade Estadual de Londrina (PR).
“A Guerra do Capim”, filme de Clifford Wellch, trata do conflito ocorrido na cidade de Santa Fé do Sul que ficou conhecido como a “guerra do capim”, ou o conflito do “arranca capim”. No seminário, a maior parte dos participantes fez referência ao episódio. O documentário mostra que o movimento do “arranca capim” atraiu a mídia e Jofre, liderança do conflito, se tornou um personagem comparado a Fidel Castro, por disseminar os ideais de resistência entre os camponeses na época da revolução cubana. O filme mostra que o desfecho desse conflito se deu com a intervenção do Estado em favor do Zico Diniz, que conseguiu uma decisão judicial contra a ação dos camponeses, bem como a presença da polícia militar na região. O então Governador Carvalho Pinto, diante da situação, mandou à região um interventor estadual, o biólogo e músico Paulo Emílio Vanzolini, que no filme declara pessoalmente ter subornado alguns camponeses e enviado uma equipe de advogados para negociar contratos de arrendamento e de ter convencido muitas famílias a assinarem novos contratos que prorrogaram apenas a permanência dos trabalhadores por mais um ou dois anos.
Em seguida, foi projetado o filme “ABRA: Histórias de Luta pela Terra”. Trata-se de um documentário comemorativo dos 40 anos da Associação Brasileira de Reforma Agrária completados em 2007. O documentário contém depoimentos de lideranças, fundadores e membros da associação que, de um modo geral, enfatizam a importância da associação como mediadora entre o Estado, a academia e os movimentos sociais em cada fase da história dos movimentos pela reforma agrária desde a sua fundação em 1967.
Por fim, ocorreu a apresentação do trabalho desenvolvido pelo Luiz Antonio Cabello Norder, da Universidade Estadual de Londrina, “Memória da luta pela reforma agrária no Brasil”. Trata-se da organização dos arquivos da ABRA, financiado pelo NEAD/Ministério do Desenvolvimento Agrário. É um catálogo que organizou os documentos em 64 assuntos, tais como “Conflitos”; “Serra dos Carajás”; “Dossiês” (que está dividido em “pobreza”, “segurança alimentar”, “partidos políticos”, “assentamento Pirituba”, “reforma agrária e questão agrária”); “Periódicos”; “Cartazes”; “Documentos administrativos” e “Lista de siglas”. O catálogo pode ser adquirido por download na home-page da associação.
O segundo dia do seminário, 19 de novembro, teve início às 9 horas da manhã com a projeção do documentário “O Profeta das Águas” de Leopoldo Nunes. Em seguida, começou a última mesa do seminário, com depoimentos de João Rodrigues Filho e Juca Dagualberto, dos assentamentos São Bento e Gleba XV, respectivamente.
“Profeta das Águas”. O filme acompanha a trajetória, de 1986 até 2005, de Aparecido Galdino Jacintho da cidade de Rubinéia, conhecido como Profeta das Águas, que liderou nos anos 70, em plena ditadura militar, um exército de salvação para proteger o rio Paraná da construção da hidrelétrica de Ilha Solteira e impedir o deslocamento das famílias atingidas pela barragem. Galdino e seus seguidores foram detidos no DOPS, sendo que ele permaneceu como preso político no DOI-CODI e depois foi internado no hospital psiquiátrico de Franco da Rocha. Aos 80 anos, na época da produção do documentário, Galdino ainda era reconhecido como um importante líder religioso e benzedor na cidade de Rubinéia.
Mesa Redonda IV
Memória Camponesa
O relato dos trabalhadores.
A última mesa do encontro foi composta pelos trabalhadores assentados da região do Pontal do Paranapanema e iniciou com a fala de Sr. Juca Dagualberto, do assentamento Gleba 15 de Novembro, município de Rosana, seguida do depoimento do Sr. João Rodrigues Filho, 83 anos, do assentamento São Bento, município de Mirante do Paranapanema, ambos da região do Pontal do Paranapanema.
Juca Dagualberto iniciou seu relato contando sobre a ocupação em meados dos anos 1970 da Gleba Tucano, parte da fazenda que pertencia à empresa Camargo Correia na cidade de Rosana. O Senhor, Juca discorreu sobre alguns dos financiamentos criados para os assentados e segundo ele, nenhum desses projetos deu certo, como por exemplo, o projeto do bicho da seda, que deixou todos os assentados endividados. Em sua opinião, se não tivessem feito a ocupação naquela época, talvez ele ainda estivesse precisando complementar sua aposentadoria trabalhando “para os outros” como pedreiro ou carpinteiro. Lamentou o fato de existir muita gente que vive submetido às ordens de um “patrão” e afirmou que seu patrão é os programas que o governo cria e que é preciso cumprir seus prazos. Disse que se não fosse sua propriedade, não teria podido educar seus filhos. Finalizou dizendo que Teodoro Sampaio, Euclides da Cunha, Mirante do Paranapanema e Rosana são municípios prósperos em função dos assentamentos ocorridos nessa região. Em seguida, estimulado pela questão colocada pelo Prof. Moacir Palmeira, sobre como era sua vida antes do assentamento e se ele lembrava quem era a liderança da ocupação, Juca relatou que até conseguir a terra, trabalhava como barrageiro e trabalhou na abertura da barragem da Ilha Solteira. Depois, trabalhou numa usina até ficar desempregado. Foi quando resolveu fazer a ocupação da Fazenda Tucano em novembro de 1983. Citou os nomes de duas lideranças da época da ocupação, Benedito Gabriel e Sidnei de Paula.
Depois, o Sr. João Cordeiro, do assentamento São Bento, iniciou a sua fala. O Sr. João tem 83 anos e relatou suas experiências nos assentamentos da região do Pontal do Paranapanema, bem como sua atual participação nos protestos e ocupações. Ele apresentou uma série de correspondências enviadas aos Presidentes da República, uma delas enviada em 1967 ao Presidente Costa e Silva, reivindicando assistência aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais, e outras remetidas a José Sarney e Lula da Silva. Apresentou também as cartas que enviou aos governadores de São Paulo reivindicando atenção para a questão das dificuldades técnica e ausência de crédito para produção nos assentamentos. Seu depoimento foi dedicado ao contexto atual, aproveitando o espaço para apontar os problemas enfrentados pelos assentados e para denunciar o descaso e a violência praticados contra os camponeses por parte do atual governo do estado de São Paulo, representado pelo Itesp. Decepcionado com as autoridades estaduais, Sr. João considera mais eficaz tratar dos assuntos diretamente com Brasília e é através das cartas que elabora que ele reivindica e denuncia o descaso do poder estadual, bem como tenta pressionar as políticas públicas voltadas para a reforma agrária.
Clifford Wellch colocou uma questão ao Sr. Juca Dagualberto relacionada ao papel da igreja nesse processo, no Assentamento Gleba 15 de Novembro. Seu Juca falou que a igreja, representada pelo Padre Gerson e o Bispo Plínio Junqueira, estava em campo oposto e que o Bispo chegou a envenenar a água do reservatório de um dos assentamentos, o que acabou prejudicando a lavoura e as pessoas. Aproveitou a oportunidade para denunciar a “chegada da cana” em área de reserva, desmatada ilegalmente para esse plantio.
Encerramento do seminário e considerações finais.
A Professora Sônia Bergamasco deu os trabalhados por encerrados. Em seguida, foram entregues os certificados aos participantes e Sr. Valdeci pediu a palavra ao receber o seu. Saudou a todos pela iniciativa e disse que está saindo do seminário mais esperançoso por constatar a existência de pessoas interessadas na reforma agrária e que às vezes se sente abandonado e se pergunta: “será que eu [como pequeno agricultor] realmente contribuo para o crescimento do Brasil?”. Considerou que o seminário representou “uma luz no fim do túnel” por mostrar que tem muita gente interessada em promover a reforma agrária. Em seguida, a Prof.ª Sonia Bergamasco passou as palavras finais ao Prof. Moacir Palmeira.
O Prof. Moacir Palmeira, coordenador do projeto, considerou que depois de ouvir os depoimentos era difícil dizer ainda alguma coisa a mais sobre o assunto. Falou que o registro desses depoimentos será feito em vídeo e em material escrito depositado em arquivos relevantes. Ressaltou a importância desse material para a memória camponesa como uma forma de se conhecer o valor dessas lutas e declarou ter esperança que os camponeses sejam reconhecidos como atores políticos que contribuíram significativamente para o processo de redemocratização do Brasil, bem como para a cultura brasileira. Enfatizou que o que foi dito ali não foram relatos de ações apenas, mas “vidas inteiras jogadas nessa luta”. Agradeceu a todos e se dirigiu ao Sr. Valdeci para devolver o agradecimento, dizendo que inverteria a coisa, pois se na época da redemocratização, a reforma agrária estava na agenda do governo, era porque havia um movimento que antes e durante toda a ditadura militar consolidou o papel político do trabalhador rural na construção de uma sociedade mais democrática. Nesse sentido, “a luz no fim do túnel”, disse o professor, está representada na luta dos trabalhadores e nas suas ações em defesa da reforma agrária.
Nome da Instituição: ASEPA – Associação para estudos e pesquisa em Antropologia, ligada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ
Projeto: Projeto de Cooperação Técnica “Apoio às Políticas e à Participação Social no Desenvolvimento Rural Sustentável” – PCT IICA/NEAD
Número do Contrato: 206046
Tema: Memória Camponesa e Cultura Popular
Objetivo da Consultoria: Desenvolver atividades de estudos relacionados ao resgate da memória das lutas no campo sobre a temática da Reforma Agrária
Produtos elaborados: Produto 2.5 Relatório Seminário Memória Camponesa São Paulo
Palavras chaves (até 5): memória camponesa, agricultura familiar, reforma agrária, conflito.
Projeto Memória Camponesa
Seminário Memória Camponesa - São Paulo
Relatório - Produto 2.5
Conforme previsto na proposta apresentada pela ASEPA / NUAP / Museu Nacional ao NEAD / MDA, este documento objetiva trazer uma descrição do Seminário “Memória Camponesa – São Paulo”, contendo ainda uma síntese dos depoimentos dos participantes e uma cópia da programação em anexo.
O seminário ocorreu no anfiteatro da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp nos dias 18 e 19/11/2008. A comissão organizadora do seminário foi composta pela Professora Sonia M. P. P. Bergamasco (Unicamp/IFCH), Vera Lúcia Botta Ferrante (UNIARA/ Programa de Pós-Graduação de Desenvolvimento Regional), Ana Paula Fraga Bolfe e Marcos Botton Piccin. A realização do seminário contou também com a colaboração de Fernando Antonio Lourenço (Unicamp/IFCH), José Carlos Alves Pereira (Unicamp/ IFCH), Luiz Manoel C. de Almeida (Unicamp/FEAGRI), Tatiane Ramos Santos (Unicamp/ FEAGRI) e Patrícia Delgado Mafra (PPGAS/MN/UFRJ).
Abertura
O Seminário Memória Camponesa - São Paulo teve início às 9 horas da manhã de terça-feira, 18 de novembro de 2008, com a inscrição dos participantes. Seguiu-se então a mesa de abertura, com a presença dos promotores e dos coordenadores do evento, para dar boas-vindas aos participantes. A mesa foi composta pelo Professor Denis Miguel Roston, Diretor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp; pelo Professor Moacir Palmeira, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional – UFRJ e Coordenador do Projeto Memória Camponesa; o Professor Fernando Lourenço do CERES – Centro de Estudos Rurais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp; Márcia Andrade representando o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP); Sr. Leonando Pereira representando o Incra, substituindo o Sr. Raimundo Pires da Silva; e a Professora Sonia Bergamasco, coordenadora local do seminário e professora da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp.
O Professor Denis Miguel Roston iniciou o seminário dando boas-vindas aos participantes. Em seguida, o Prof. Moacir Palmeira falou da importância de São Paulo como um estado onde ocorreram lutas camponesas que não devem ser esquecidas e concluiu sua fala agradecendo à Prof.ª Sonia Bergamasco e à FEAGRI por sediar o seminário de São Paulo. O representante do INCRA agradeceu a todos pelo convite e elogiou o trabalho de resgate da memória camponesa por ir ao encontro da questão da reforma agrária. Enfatizou que a participação do Incra nesse seminário confirma o seu papel como parte das lutas pela terra. Posteriormente, Márcia Andrade fez um breve histórico da Fundação ITESP, da qual era a representante, desde seu nascimento no governo estadual de Franco Montoro no ano de 1983, num contexto de ausência de políticas públicas voltadas para os pequenos agricultores. Enfatizou também o papel dessa Fundação como mediadora entre o governo e os movimentos sociais, destacando que no ano de 1995, durante o governo Mário Covas, a Fundação ofereceu forte apoio à luta pela terra, por ter participado no Plano de Desenvolvimento do Pontal do Paranapanema, considerado por ela como um marco das políticas públicas voltadas para reforma agrária no estado de São Paulo. Finalizou sua fala lembrando que os trabalhadores rurais são os “verdadeiros protagonistas” dessa conquista e ofereceu ao coordenador do projeto, o Prof. Moacir Palmeira, um exemplar do livro publicado no ano de 2005 numa parceria com a Universidade de São Paulo, intitulado “Vozes da Terra”. O Prof. Fernando Lourenço (CERES / Unicamp/ IFCH) fez uma breve saudação aos participantes, ressaltou a importância da iniciativa de resgate da memória das lutas camponesas e em específico das conquistas realizadas no estado de São Paulo. Para finalizar a mesa de abertura, a Prof.ª Sonia Bergamasco revelou que se encontrava bastante emocionada em poder realizar o encontro, destacou a colaboração da Prof.ª Vera Lúcia Botta Ferrante e lamentou na sua busca por trabalhadores que vivenciaram o período pré - 1964 para participação no seminário, encontrar vários deles em condições difíceis de saúde e impossibilitados de se deslocarem até Campinas. Mencionou a importância do papel do estado de São Paulo, além dos movimentos do nordeste do país, como vanguardista dos movimentos de luta e conquista de terras. Agradeceu aos trabalhadores por terem comparecido e aos demais participantes.
Apresentação do Projeto Memória Camponesa
O professor Moacir Palmeira fez uma apresentação geral do projeto e um relato dos outros seminários estaduais, enfatizando a importância da iniciativa para a consolidação de uma rede, envolvendo diferentes universidades, sindicatos e movimentos sociais. Disse que a idéia de se fazer esse registro da memória das lutas camponesas partiu de um grupo de pessoas atentas à importância do campesinato e de suas lutas para a história do país e preocupadas com a sua perda, representada pelo desaparecimento progressivo de suas lideranças. Ao final de sua apresentação chamou o Sr. Waldomiro Cordeiro da Fetaesp para compor a primeira mesa do dia.
Mesa Redonda I
Memória Camponesa: o relato dos trabalhadores.
O Sr. Waldomiro Cordeiro nasceu em Santa Fé do Sul, no estado de São Paulo, onde foi pequeno agricultor e depois arrendatário até comprar quatro alqueires de terra na cidade de Rubinéia, onde permaneceu até 1972, quando ele e cerca de 800 famílias foram removidas pela Cesp (Companhia Energética de São Paulo), em virtude da construção da Barragem de Ilha Solteira, que inundou toda a região. Ele deu início à sua fala lembrando-se da criação do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos de Santa Fé do Sul, contexto em que ocorreram vários confrontos com a polícia e perseguições de lideranças, mais precisamente entre os anos de 1962 e 1974. Mencionou que o sindicato de Santa Fé do Sul atuou junto ao conflito do “arranca capim” durante os anos de 1961 a 1963, conflito que é visto como um marco do movimento pela reforma agrária no estado de São Paulo, com repercussão nacional e objeto de um documentário também projetado no seminário, mencionado mais adiante. O processo que deu origem ao conflito do “arranca capim” se deu quando um dos empreiteiros do suposto dono da terra, chamado de Zico Diniz, trouxe para região de Santa Fé do Sul, no final dos anos 50, trabalhadores rurais para formar pastagens à base de capim colonião, um capim muito bom para a engorda do gado. Nesse processo, muitas famílias chegaram com a expectativa de ficar na terra durante cinco anos, vivendo da lavoura. Mas uma seca prejudicou a primeira safra e Zico Diniz exigiu a entrega da terra. Logo em seguida, ante a recusa dos trabalhadores, ele ordenou que o capim fosse imediatamente plantado nas lavouras dos camponeses, os ranchos deles queimados e o gado fosse solto para destruir o que ainda restava de suas lavouras e que lhes servia de alimentação. Foi nesse tenso contexto que Jofre Correia Neto apareceu para organizar a defesa dos camponeses. Ele convocou a todos para uma operação chamada “arranca capim”, arrancando de suas lavouras o capim que o proprietário havia mandado replantar.
Sr. Waldomiro citou também a importância de um líder religioso chamado Aparecido Jacintho Galdino, de Rubinéia, que mobilizou a resistência dos moradores das áreas atingidas pela abertura da barragem de Ilha Solteira, também retratado no filme “Profeta das Águas” (projetado no ultimo dia do seminário). Em seguida, falou que embora o período dos anos 1960 e 1970 fosse um contexto adverso para demandas dos trabalhadores, havia um sentimento de união muito presente no movimento sindical daquele momento, pois aglutinava-se um grande número de trabalhadores, cerca de 300 a 400 pessoas, nas assembléias do sindicato. Em resposta a uma pergunta feita por uma aluna da universidade, se havia ocupação e de como era a luta para a conquista da terra nos anos 1960 e 1970, Sr. Waldomiro falou que havia uma comissão do Incra que avaliava as fazendas para serem indenizadas e alocadas para reforma agrária. Sobre a questão do meio ambiente, colocada por outra aluna da universidade, ele respondeu que naquela época era relativamente comum usar os recursos das matas, rios e florestas e que isso não era uma questão. Finalizou sua palestra afirmando que é preciso usar as terras devolutas, fazer um levantamento dessas terras sem escritura e colocá-las para reforma agrária, ao mesmo tempo oferecendo garantias às famílias assentadas.
O outro convidado a fazer parte da mesa, Francisco Urbano, ex-presidente da Contag, não pôde comparecer.
Mesa Redonda II
História da conquista da Fazenda Rebojo:
O relato dos trabalhadores.
Anadiu Damascena é agricultor do assentamento da Fazenda Rebojo e nasceu na cidade de Presidente Prudente, filho de pernambucano que migrou para São Paulo para trabalhar na Fazenda Rebojo. Ele iniciou seu relato apresentando as características gerais do Rebojo, sua localização na cidade de Estrela do Norte, a 60 quilômetros da cidade de Presidente Prudente. Segundo ele, não há muitas famílias remanescentes do assentamento de 1965 e falou das dimensões das terras que hoje variam entre 9 a 20 alqueires. Lembrou que no início, não podia criar gado e que a terra era apenas para cultivo agrícola e lamentou que, atualmente, os sítios do Rebojo estejam perdendo gente para o trabalho assalariado nas usinas de cana-de-açúcar.
Sebastião Bezerra Leite relatou que seu pai no início dos anos 1960 fora despejado juntamente com outros posseiros da Fazenda Rebojo e, ciente de que o suposto proprietário não tinha o título da fazenda, solicitou o apoio da igreja local para conseguir um advogado que o ajudasse a articular em Brasília o movimento de desapropriação da Fazenda Rebojo, entre os anos 1964 e 1965. Disse que em 1968 os títulos das propriedades foram concedidos para cada assentado. Relatou que foi feita também uma seleção nas cidades vizinhas para o assentamento de agricultores e os dois critérios utilizados eram: ser casado e ter até 60 anos de idade. A assistência técnica oferecida aos assentados na ocasião, era precária e segundo Sr. Sebastião não havia programas de empréstimos em dinheiro às famílias assentadas. A construção de cercas, poços, casas etc. deveria ser por conta do próprio assentado. Lembrou também que um dos posseiros que conseguiu terra no Rebojo foi ameaçado pela gerência do Banco do Brasil por não conseguir cumprir os prazos no acerto do empréstimo e que naquela época não havia advogado para interceder em favor do pequeno agricultor. Em seguida, fez uma crítica ao órgão que na época era responsável pela reforma agrária, o IBRA, por obrigar seus funcionários a fazer uma política de inviabilização da produção no assentamento, ponto enfatizado também em outra mesa do encontro relativa ao conflito ocorrido em torno da Fazenda Primavera no final dos anos 1970. Sobre a relação com os sindicatos, Anadiu Damascena falou que na área da saúde o sindicato era a única referência existente, por oferecer assistência médica aos seus sindicalizados em Presidente Prudente.
O terceiro convidado da mesa, o Sr. Paulo Menezes não pôde comparecer por dificuldades de deslocamento devido à sua idade avançada. Os trabalhos da Mesa II foram encerrados.
Mesa Redonda III
História da Conquista da Fazenda Primavera:
O relato dos trabalhadores.
A mesa foi composta por René Parren, ex-pároco que atuou junto aos posseiros no processo de desapropriação da Fazenda Primavera e pelo Sr. Valdeci Rodrigues de Oliveira, pequeno agricultor assentado na Fazenda Primavera. O Sr. João Figueiredo não pôde comparecer devido a problemas de saúde e a dificuldades de deslocamento até a cidade de Campinas. O Sr. Valdeci iniciou sua participação mostrando uma fotografia, em preto e branco, da ocasião em que recebeu pelas mãos do então Presidente da República, João Figueiredo, a escritura de sua terra na Fazenda Primavera. Lembrou inicialmente que viu, quando ainda jovem, seu pai e seu avô serem algemados e presos, e lamentou emocionado, a existência de muita perseguição e violência no final dos anos de 1950 e na década de 1960. Foi nessa ocasião que o Padre René Parren apareceu na Fazenda Primavera e segundo o Sr. Valdeci, foi ele quem incentivou a sua participação no movimento de conquista dessa fazenda. Nessa época, segundo ele, o Prefeito de Andradina, município onde fica a Fazenda Primavera, era da mesma família do suposto dono da fazenda, o Sr. Abdala, que por sua vez, era também parente de Paulo Maluf, o então governador de São Paulo. Em função disso, Sr. Valdeci declarou ter sentido receio de participar desse processo e nos relatou muito emocionado a seguinte história: um dos moradores da fazenda, chamado Adalberto, encaminhou para Brasília um pedido de desapropriação da Fazenda Primavera, por verificar que não havia escritura em nome do Sr. Abdala e quando voltou foi perseguido até a morte, assassinado na frente de sua filha por jagunços contratados pelo suposto proprietário. Disse que o Padre René Parren também foi “caçado igual a um animal”. Lembrou que fora injusto com o Padre René e aproveitou a ocasião para se desculpar publicamente por ter “virado as costas pra ele” quando representantes do Incra o acusaram de comunista naquela época. Relatou que o assassinato do Sr. Adalberto foi muito chocante, levando todos os moradores a fazer uma homenagem. Foi celebrada uma missa e, ao seu término, todos seguiram em passeata até ao fórum da cidade exigindo justiça. Sr. Valdeci enfatizou que essa homenagem mobilizou muita gente, o que pressionou o juiz. Ele considerou que o assassinato seguido dessa homenagem e da manifestação foram os elementos que precipitaram a desapropriação da fazenda “por tensão social para interesse de reforma agrária” no dia 8 de julho de 1980.
A partir de então, Sr. Valdeci apresentou uma série de críticas ao modo como foi feita à concessão das terras da Fazenda Primavera. Declarou que a documentação saiu muito rapidamente e que não houve apoio técnico às famílias assentadas. Ao contrário, ele disse que houve interesse do Incra em inviabilizar o assentamento e de passar a imagem de que “a reforma agrária não funciona” e que aquelas pessoas “não gostam de trabalhar” e, portanto “não teriam vocação agrícola”. Lamentou ter se deixado fotografar recebendo o título de posse de sua terra das mãos do Presidente da República, disse-nos que somente algum tempo depois constatou que a desapropriação fora usada politicamente. Emocionado, lembrou que as famílias assentadas tiveram que entregar sua terra como pagamento de dívidas contraídas com o Banco do Brasil. Por fim, fez uma comparação entre esse modelo apresentado de reforma agrária com o modelo atual. Disse-nos que tem registrado em fotografias o assentamento da Fazenda Belo Mundo e que, comparando essas fotografias com as que ele tem da Fazenda Primavera, é possível perceber uma enorme diferença na organização das vilas. Segundo ele, atualmente os assentamentos teriam certo planejamento, graças à presença de técnicos que orientam a produção e encerrou sua fala, ainda mais emocionado, dizendo que aquele dia (dia do seminário) fora “o melhor dia” de sua vida, por ter tido a oportunidade de se retratar publicamente ao Padre René, também presente na mesa.
René Parren iniciou seu depoimento relatando a sua chegada na região da cidade de Andradina para atuar na Paróquia São Sebastião na linha da Teologia da Libertação. A divisão das tarefas colocou o padre para fazer trabalho de base na Fazenda Primavera. Ressaltou que o medo ao qual o Sr. Valdeci se referia não era exagero, porque um levantamento prévio da região já apresentava esse quadro de violência extrema, motivo pelo qual aportou na Fazenda Primavera “na época do Abdala”. Enumerou os mecanismos de pressão exercido pelo Sr. Abdala: 1- cobrança de alto percentual da renda, pago em produto que era roubado no peso e pago com cheque pré-datado de outra praça, o qual o trabalhador somente conseguia trocar com o agiota, que por sua vez ficava com a metade do valor; 2- contratação de jagunços para vigiar a entrada e a saída da fazenda, 3- soltura do gado na roça do pessoal e 4- assassinatos e perseguições às famílias de moradores posseiros. Renné disse que a fazenda possuía naquela época 10 vilas que somavam um total de 9.250 hectares e que sua tarefa era atuar em uma das glebas para fazer levantamento das formas de contrato e acordo com o Sr. Abdala; levantar a produção; mediar assistência jurídica fora da comarca e denunciar internacionalmente a arbitrariedade e violência praticada contra os meeiros. Segundo René, foi esse movimento na fazenda Primavera que inspirou a organização do movimento dos trabalhadores sem terra no Pontal do Paranapanema e em outras regiões do estado do Paraná e do Rio Grande do Sul até a fundação do MST em 1984. Lembrou também que em 1982, com a vitória do MDB em São Paulo, começou a ser feito um levantamento das terras públicas no Estado. Ele finalizou sua fala noticiando que está em curso, no momento, uma política de reversão do quadro da Fazenda Primavera e que o Incra está envolvido nessa retomada de incentivos à “agricultura familiar camponesa” na região. Em seguida, foi aberta a rodada de perguntas. O Sr. Waldomiro perguntou sobre como o René, que é religioso, vê o projeto da Contag e os limites para a reforma agrária. Depois, Sr. Sebastião fez um comentário sobre a importância do que foi dito pelos dois participantes, pois esclareceu como as coisas haviam sido encaminhadas em Andradina. Por ultimo, o Prof. Moacir fez um comentário a respeito da atuação desse empresário no setor industrial, sobre informações de que houvera problemas com os operários e perguntou se houve algum tipo de articulação entre os camponeses e o operariado.
René Parren respondeu ao Prof. Moacir afirmando saber dos problemas do empresário com seus funcionários, mas desconhece qualquer articulação entre camponeses e operários ligados ao Sr. Abdala. Ele enfatizou a necessidade de uma política que limite o tamanho da propriedade de terra no país e falou que está em processo de negociação no Congresso Nacional a elaboração de um projeto que estabeleça esses limites, mas que está parado porque esbarra na questão dos índices de produtividade e na questão da correlação de forças políticas estabelecidas em Brasília. Finalizou afirmando que o problema da Fazenda Primavera foi o fato de terem considerado encerrada a questão da reforma agrária apenas com a conquista da terra e não terem continuado a reivindicar recursos para a manutenção da produção e notou que essa é a diferença fundamental entre os assentamentos desse tipo e os assentamentos decorrentes de pressão política desempenhada pelas ocupações. Nesse ultimo caso, segundo René, há uma maior consciência da necessidade de manter a pressão política para garantir a permanência das famílias nas terras. Foi dado por encerrado o trabalho na última mesa do dia.
Encerramento do primeiro dia do seminário
A programação do primeiro dia do encontro encerrou-se com a projeção do filme de Clifford Wellch, da UNESP de Presidente Prudente (SP), intitulado “A Guerra do Capim” e do filme “ABRA: Histórias de Luta pela Terra” de José Juliano de Carvalho Filho da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA e a apresentação do livro “Memória da luta pela reforma agrária no Brasil” de Luiz Antonio Cabello Norder da Universidade Estadual de Londrina (PR).
“A Guerra do Capim”, filme de Clifford Wellch, trata do conflito ocorrido na cidade de Santa Fé do Sul que ficou conhecido como a “guerra do capim”, ou o conflito do “arranca capim”. No seminário, a maior parte dos participantes fez referência ao episódio. O documentário mostra que o movimento do “arranca capim” atraiu a mídia e Jofre, liderança do conflito, se tornou um personagem comparado a Fidel Castro, por disseminar os ideais de resistência entre os camponeses na época da revolução cubana. O filme mostra que o desfecho desse conflito se deu com a intervenção do Estado em favor do Zico Diniz, que conseguiu uma decisão judicial contra a ação dos camponeses, bem como a presença da polícia militar na região. O então Governador Carvalho Pinto, diante da situação, mandou à região um interventor estadual, o biólogo e músico Paulo Emílio Vanzolini, que no filme declara pessoalmente ter subornado alguns camponeses e enviado uma equipe de advogados para negociar contratos de arrendamento e de ter convencido muitas famílias a assinarem novos contratos que prorrogaram apenas a permanência dos trabalhadores por mais um ou dois anos.
Em seguida, foi projetado o filme “ABRA: Histórias de Luta pela Terra”. Trata-se de um documentário comemorativo dos 40 anos da Associação Brasileira de Reforma Agrária completados em 2007. O documentário contém depoimentos de lideranças, fundadores e membros da associação que, de um modo geral, enfatizam a importância da associação como mediadora entre o Estado, a academia e os movimentos sociais em cada fase da história dos movimentos pela reforma agrária desde a sua fundação em 1967.
Por fim, ocorreu a apresentação do trabalho desenvolvido pelo Luiz Antonio Cabello Norder, da Universidade Estadual de Londrina, “Memória da luta pela reforma agrária no Brasil”. Trata-se da organização dos arquivos da ABRA, financiado pelo NEAD/Ministério do Desenvolvimento Agrário. É um catálogo que organizou os documentos em 64 assuntos, tais como “Conflitos”; “Serra dos Carajás”; “Dossiês” (que está dividido em “pobreza”, “segurança alimentar”, “partidos políticos”, “assentamento Pirituba”, “reforma agrária e questão agrária”); “Periódicos”; “Cartazes”; “Documentos administrativos” e “Lista de siglas”. O catálogo pode ser adquirido por download na home-page da associação.
O segundo dia do seminário, 19 de novembro, teve início às 9 horas da manhã com a projeção do documentário “O Profeta das Águas” de Leopoldo Nunes. Em seguida, começou a última mesa do seminário, com depoimentos de João Rodrigues Filho e Juca Dagualberto, dos assentamentos São Bento e Gleba XV, respectivamente.
“Profeta das Águas”. O filme acompanha a trajetória, de 1986 até 2005, de Aparecido Galdino Jacintho da cidade de Rubinéia, conhecido como Profeta das Águas, que liderou nos anos 70, em plena ditadura militar, um exército de salvação para proteger o rio Paraná da construção da hidrelétrica de Ilha Solteira e impedir o deslocamento das famílias atingidas pela barragem. Galdino e seus seguidores foram detidos no DOPS, sendo que ele permaneceu como preso político no DOI-CODI e depois foi internado no hospital psiquiátrico de Franco da Rocha. Aos 80 anos, na época da produção do documentário, Galdino ainda era reconhecido como um importante líder religioso e benzedor na cidade de Rubinéia.
Mesa Redonda IV
Memória Camponesa
O relato dos trabalhadores.
A última mesa do encontro foi composta pelos trabalhadores assentados da região do Pontal do Paranapanema e iniciou com a fala de Sr. Juca Dagualberto, do assentamento Gleba 15 de Novembro, município de Rosana, seguida do depoimento do Sr. João Rodrigues Filho, 83 anos, do assentamento São Bento, município de Mirante do Paranapanema, ambos da região do Pontal do Paranapanema.
Juca Dagualberto iniciou seu relato contando sobre a ocupação em meados dos anos 1970 da Gleba Tucano, parte da fazenda que pertencia à empresa Camargo Correia na cidade de Rosana. O Senhor, Juca discorreu sobre alguns dos financiamentos criados para os assentados e segundo ele, nenhum desses projetos deu certo, como por exemplo, o projeto do bicho da seda, que deixou todos os assentados endividados. Em sua opinião, se não tivessem feito a ocupação naquela época, talvez ele ainda estivesse precisando complementar sua aposentadoria trabalhando “para os outros” como pedreiro ou carpinteiro. Lamentou o fato de existir muita gente que vive submetido às ordens de um “patrão” e afirmou que seu patrão é os programas que o governo cria e que é preciso cumprir seus prazos. Disse que se não fosse sua propriedade, não teria podido educar seus filhos. Finalizou dizendo que Teodoro Sampaio, Euclides da Cunha, Mirante do Paranapanema e Rosana são municípios prósperos em função dos assentamentos ocorridos nessa região. Em seguida, estimulado pela questão colocada pelo Prof. Moacir Palmeira, sobre como era sua vida antes do assentamento e se ele lembrava quem era a liderança da ocupação, Juca relatou que até conseguir a terra, trabalhava como barrageiro e trabalhou na abertura da barragem da Ilha Solteira. Depois, trabalhou numa usina até ficar desempregado. Foi quando resolveu fazer a ocupação da Fazenda Tucano em novembro de 1983. Citou os nomes de duas lideranças da época da ocupação, Benedito Gabriel e Sidnei de Paula.
Depois, o Sr. João Cordeiro, do assentamento São Bento, iniciou a sua fala. O Sr. João tem 83 anos e relatou suas experiências nos assentamentos da região do Pontal do Paranapanema, bem como sua atual participação nos protestos e ocupações. Ele apresentou uma série de correspondências enviadas aos Presidentes da República, uma delas enviada em 1967 ao Presidente Costa e Silva, reivindicando assistência aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais, e outras remetidas a José Sarney e Lula da Silva. Apresentou também as cartas que enviou aos governadores de São Paulo reivindicando atenção para a questão das dificuldades técnica e ausência de crédito para produção nos assentamentos. Seu depoimento foi dedicado ao contexto atual, aproveitando o espaço para apontar os problemas enfrentados pelos assentados e para denunciar o descaso e a violência praticados contra os camponeses por parte do atual governo do estado de São Paulo, representado pelo Itesp. Decepcionado com as autoridades estaduais, Sr. João considera mais eficaz tratar dos assuntos diretamente com Brasília e é através das cartas que elabora que ele reivindica e denuncia o descaso do poder estadual, bem como tenta pressionar as políticas públicas voltadas para a reforma agrária.
Clifford Wellch colocou uma questão ao Sr. Juca Dagualberto relacionada ao papel da igreja nesse processo, no Assentamento Gleba 15 de Novembro. Seu Juca falou que a igreja, representada pelo Padre Gerson e o Bispo Plínio Junqueira, estava em campo oposto e que o Bispo chegou a envenenar a água do reservatório de um dos assentamentos, o que acabou prejudicando a lavoura e as pessoas. Aproveitou a oportunidade para denunciar a “chegada da cana” em área de reserva, desmatada ilegalmente para esse plantio.
Encerramento do seminário e considerações finais.
A Professora Sônia Bergamasco deu os trabalhados por encerrados. Em seguida, foram entregues os certificados aos participantes e Sr. Valdeci pediu a palavra ao receber o seu. Saudou a todos pela iniciativa e disse que está saindo do seminário mais esperançoso por constatar a existência de pessoas interessadas na reforma agrária e que às vezes se sente abandonado e se pergunta: “será que eu [como pequeno agricultor] realmente contribuo para o crescimento do Brasil?”. Considerou que o seminário representou “uma luz no fim do túnel” por mostrar que tem muita gente interessada em promover a reforma agrária. Em seguida, a Prof.ª Sonia Bergamasco passou as palavras finais ao Prof. Moacir Palmeira.
O Prof. Moacir Palmeira, coordenador do projeto, considerou que depois de ouvir os depoimentos era difícil dizer ainda alguma coisa a mais sobre o assunto. Falou que o registro desses depoimentos será feito em vídeo e em material escrito depositado em arquivos relevantes. Ressaltou a importância desse material para a memória camponesa como uma forma de se conhecer o valor dessas lutas e declarou ter esperança que os camponeses sejam reconhecidos como atores políticos que contribuíram significativamente para o processo de redemocratização do Brasil, bem como para a cultura brasileira. Enfatizou que o que foi dito ali não foram relatos de ações apenas, mas “vidas inteiras jogadas nessa luta”. Agradeceu a todos e se dirigiu ao Sr. Valdeci para devolver o agradecimento, dizendo que inverteria a coisa, pois se na época da redemocratização, a reforma agrária estava na agenda do governo, era porque havia um movimento que antes e durante toda a ditadura militar consolidou o papel político do trabalhador rural na construção de uma sociedade mais democrática. Nesse sentido, “a luz no fim do túnel”, disse o professor, está representada na luta dos trabalhadores e nas suas ações em defesa da reforma agrária.
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