sábado, 27 de junho de 2009

DEPOIMENTOS DE MORADORES DE RUBINÉIA/SP


Um lugar debaixo d'água
A relação dos moradores com o rio que inundou sua cidade; galeria de fotos e vídeo exclusivos acompanha a matéria.
Por André Seiti

A ausência de vento e a calmaria da madrugada eram interrompidas apenas pelo constante bater das águas do Rio Paraná, invisível na escuridão. Silencioso, um grupo de pescadores fazia os últimos preparativos para embarcar, na esperança de que algumas centenas de peixes tivessem sido presas pelas tralhas armadas rio adentro. Ainda era escuro quando o barulho dos motores dos barcos anunciou a partida. Sob o caminho a percorrer, não estavam apenas milhões de metros cúbicos de água, mas também poetas, escritores e uma cidade alagada pelo Paraná.
Em vez de pedestres e carros, corvinas, tucunarés e outros peixes transitam pelas vias da antiga pequena cidade paulista de Rubinéia, que, desafiando tempo e espaço, proporciona em seus cruzamentos o encontro de Machado de Assis, Cecília Meireles, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e muitos outros, todos os nomes de ruas da cidade submersa. Alagada em 1970, devido à construção da usina hidrelétrica de Ilha Solteira, Rubinéia foi reconstruída com os mesmos nomes ilustres em suas ruas, e hoje a cidade velha, tomada pela água, serve de passagem para muitos pescadores que se lançam ao rio. O tempo e o rio
Às 5 e meia, já sob a luz da manhã do dia 5 de março, que permitia avistar o estado de Mato Grosso do Sul, um barco de 6 metros de comprimento, com dois pescadores, Milton Martins e Levi Salvino, moradores de Rubinéia, começava a recolher as redes armadas no dia anterior. Enquanto o primeiro puxava a tralha da água, o segundo retirava os peixes presos. Um trabalho que exige paciência, resistência e coragem. Não são raras as vezes que Milton recolhe da água piranhas pouco amistosas, amansadas com pauladas na cabeça dadas por Levi. São 3 mil metros de rede divididos em seções, devidamente distanciadas de acordo com a legislação pesqueira de São Paulo. No entanto, a lei não é a mesma ao longo do Rio Paraná. Nas proximidades de Mato Grosso do Sul e nos afluentes que rumam àquele estado, vigora outra legislação, que já apreendeu muitos barcos e redes de pescadores paulistas. Liberto Quiozini, o Lico, pescador há mais de 22 anos, chegou a ser preso em uma fiscalização no rio, além de ter seu barco e equipamentos apreendidos. Ele, que possui todas as autorizações do estado de São Paulo para pescar, estava em região mato-grossense. Apesar dos entraves jurídicos que pairam sobre o rio, ele não titubeia: "O Paraná significa tudo para mim, porque é de lá que eu tiro o sustento da minha família. O Paraná é nossa mãe". Lico, que constrói seus próprios barcos há cinco anos, recorda também o tempo da antiga Rubinéia, quando o rio era baixo. "A gente sente saudade daquele tempo, hoje a gente vai se adaptando." Uma saudade semelhante toma conta de outro pescador da cidade, Juraci Tomé, o seu Jura, que, na década de 1960, costumava fazer a travessia São Paulo-Mato Grosso do Sul a nado pelo Paraná. "O rio antes era melhor. Naquele tempo só pegava peixe grande, era caranha, pintado, curimba, piau, jaú, dourado." Seu Jura foi um dos moradores que tiveram de abandonar sua casa por causa da inundação. "A turma da Cesp [Companhia Energética de São Paulo] chegou e a gente teve que ir embora." Hoje navega diariamente por cima de sua antiga casa; ele faz parte do grupo de pescadores que vai e volta no mesmo dia, diferentemente daquele que passa a semana dentro do rio, em busca de grandes quantidades de peixe. Tanto seu Jura quanto Lico dividem uma admiração particular pelo rio. "Gosto dele, tem que gostar, é a profissão da gente pescar", explica seu Jura. É tanto o gosto pelo Paraná, que ele utilizava sua água para tudo: beber, cozinhar e se banhar. "Ela era limpinha, só algumas vezes que passava algum defunto girando com a barriga inchada", explica. "Até hoje, de vez em quando, bebo a água do rio, não tem essas frescuras." Para Lico, a experiência de estar no Rio Paraná é única. "Lá não tem dor de cabeça, não tem problema; quando você está lá, você está em outro mundo", afirma. "O tempo parece que não passa. O relógio é o sol." Rosimeire Quiozini, esposa de Lico e também pescadora, complementa: "A gente não liga o rádio, não olha nem o relógio. Lá a gente tem mais tempo de analisar as coisas bonitas, um pássaro, um animal, uma árvore”. As mulheres pescadoras têm forte presença no Rio Paraná. Rosilene dos Santos Gagliarde, conhecida como Binha, e o marido, Vanildo Finêncio Gagliarde, apelidado de Vando, pescam juntos há 18 anos, o mesmo período em que estão casados. "Quando a gente se casou, ele me ensinou a pescar e hoje gosto muito disso", diz Binha. O casal, durante o período aberto à pesca, costuma permanecer cinco dias por semana no rio.
Antonio Carlos César, o Carlão, e Aparecida de Abreu, a Cida, são outros casais de pescadores conhecido na cidade. Em 2006, ambos viveu uma experiência delicada. Enquanto pescavam na margem de um afluente do Paraná, foram surpreendidos por um enxame. Coberto de abelhas, Carlão empurrou o barco com a mulher por mais de 150 metros - uma vez que o motor teimava em falhar. Chegou a cair no rio sentindo fortes dores e falta de ar. Nesse momento, ouviu a mulher, também coberta de abelhas, chamá-lo para dentro do barco. Após conseguir ligar o motor, o casal viajou por mais de 40 minutos até chegar ao desembarcadouro de Rubinéia. Estima-se que Cida tenha sido picada por aproximadamente 600 abelhas e Carlão por cerca de 800. Apesar da experiência, ele diz ainda preferir estar em água a estar em terra. "Eu gosto muito de ficar observando aquilo que é natural que é puro; do rio dá pra ver melhor isso", conta. Quanto ao ataque das abelhas, ele acredita ser uma reação do desequilíbrio ambiental causado por interferências humanas no ecossistema, como construções de hidrelétricas que mudam o curso de rios. "Aquilo que o progresso exige muitas vezes acaba prejudicando a natureza.” A seca não seguiu.
Quando saiu de Areias, interior de São Paulo, e chegou à fronteira com Mato Grosso do Sul há 55 anos, Gersino Alves se espantou. "Eu não conhecia rio bonito assim, quando cheguei à beirada do rio, deu aquele medo, parecia que era uma neblina, perguntava: isso é água ou é fumaça?", recorda. "Lá de onde eu venho só tem Corguinho simples." Sem saber nadar, seu Gersino, que trabalha como ferreiro, tentou ir de barco sozinho até Aparecida do Taboado, cidade mato-grossense do outro lado do Paraná. "Fiquei girando no meio do rio sem perceber, até que gritaram para mim que eu não estava saindo do lugar." Hoje, o ferreiro não se aventura mais em travessias pelo rio, apenas se banha em suas águas, ritual que segue desde que conheceu o Paraná. Quem também se espantou no primeiro contato com o Paraná foi Expedito Martins Neto. Cinqüenta anos atrás, sentado sob uma sábia em Baturité, no Ceará, ele fez um pedido a Deus: queria um lugar longe da seca para criar os filhos. Em 1963, chegou a Rubinéia, onde comprou um terreno de dois alqueires à beira do Rio Paraná. Lá, com a mulher, Anália Martins, criou os dez filhos, com fartura de água. "Quem pediu a Deus para criar os filhos só tem mesmo que amar o rio." Segundo ele, mais de 30 pessoas já fizeram propostas para comprar o terreno, mas nenhuma obteve sucesso. "A vida tem muita lombada, o que eu pedi a Deus eu tenho que respeitar. Aqui eu não vendo." Atualmente, aos 80 anos, criam em seu terreno 19 cabeças de gado. Ao se aproximar do rio, localizado no quintal de sua casa, seu Expedito fica imóvel com as mãos na cintura. "Aqui é lugar bom de viver, saiba viver." Logo se cala e o silêncio só é interrompido pelo constante bater das águas do Rio Paraná, visível em sua imensidão.


Mergulhadores exploram Rubinéia submersa
Sob as águas do Paranazão, equipe localiza ruínas da cidade inundada.

Foi em 1973 que a construção da hidrelétrica de Ilha Solteira, alagou a velha cidade de Rubinéia nas águas do Rio Paraná e, uma nova cidade surgiu próximo ao local. A transferência da população para a "Nova Rubinéia" foi feita com tempo hábil da maioria das edificações serem demolidas da antiga cidade e pouco sobrou no momento da inundação.
A equipe de mergulhadores de Fernandópolis, formada pelos empresários Clacir Colassiol, Adão José Martins e Gilberto Musto, realizou dezenas de mergulhos durante os últimos 18 meses a fim de explorarem o local que está há 12 metros de profundidade. Tecnicamente os mergulhos são "rasos" proporcionando um período maior de permanência dos mergulhadores junto às ruínas, facilitando assim a pesquisa.
As condições climáticas interferem diretamente nos mergulhos da equipe, aonde apenas na estiagem a visibilidade chega a cerca de 5 metros. Nos demais períodos do ano a média não passa de 2 metros, demandando assim um período bastante longo para conclusão dos trabalhos.
Hoje as ruínas da cidade submersas estão totalmente mapeadas por GPS e os pilares da antiga estação ferroviária cabeados para guiar outros apreciadores do mergulho pelo trajeto montado pela equipe fernandopolense.
São cerca de 25 pilares com 6 metros de altura cada, numa extensão de 110 metros no total da plataforma, ainda sedimentada com poucas rachaduras. Ruínas da bilheteria é outro ícone do local. Informações de que um antigo lavador dos trens que ali paravam para manutenção, ainda está sendo procurado pelos mergulhadores. A antiga caixa d da cidade, que ficava próximo ao lavador, foi destruída não faz muito tempo. A edificação, que continha uma parte localizada acima da superfície da água colocava em risco as embarcações do local. As pilastras demolidas foram localizadas pelos mergulhadores e também devidamente mapeadas como no croqui ao lado.
"O local é limpo e não há enroscos. Torna-se um mergulho prazeroso e relaxante" diz Clacir. Para Adão o conhecimento histórico de um passado não tão distante é o que atraia a equipe: "Sempre nos deparamos com um antigo morador, ou ribeirinho que conta a história de Rubinéia. Acho que somos privilegiados de podermos, hoje, visitar ‘in loco’ o que foi parte da vida de muitos munícipes do local". Giba diz ainda que o trabalho não terminou: "Nós temos esperança de ainda encontrar o lavador, e completar o trajeto da estrada de ferro. O progresso da nossa pesquisa é gradual, mas temos a certeza de estarmos próximos do nosso objetivo".
Em uma das atividades da equipe no mês passado, o mergulhador Thales Igor de Oliveira de Santo André, desceu com os amigos para conhecer as ruínas: "é um mergulho muito radical, diferente dos que estamos acostumados a fazer no mar, com visibilidade de até 20 metros. O mergulho no Rio Paraná é de muita adrenalina" conclui Thales que tem apenas 15 anos de idade e 1 de mergulho autônomo.
Como chegar
O acesso à cidade de Rubinéia é pela rodovia Euclides da Cunha, que se inicia em São José do Rio Preto e termina na cidade de Rubinéia. A distância da capital paulista até Rubinéia é de 630 km. A cidade está localizada na divisa dos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, ao lado da ponte Rodoferroviária Federal.
GPS: 20º 18,640' S / 51º 1,990' W
Gilberto Musto é jornalista, radialista, diretor da Revista CHARME e da Mídia G. Comunicação. Atualmente possui certificação de Divemaster e mergulha há 2 anos tendo logados cerca de 100 mergulhos, dos quais cerca de 40 deles em rios da região de São Paulo, Minas e Mato Grosso. Juntamente com Clacir Colassiol e Adão José Martins, está formando um grupo de mergulhadores da região Noroeste objetivando novas pesquisas.

8 comentários:

Anônimo disse...

velha rubineia,onde passei minha infancia tenho saudades,tanto e que fiz dois poema,uma sobre ela a outra sobre o translado para a nova rubineia.

Anônimo disse...

Tenho muita vontade de conhecer a cidade que deve ser linda,tenho um tio de nome Arthur Siqueira que mora ai,se conhece-lo mande um abraço!,em 2011 eu apareço.(Ademir)

lucia abreu disse...

linda cidade, tenho um amigo q mora aqui em rio claro minha cidade, e tem os pais que moram em rubinéia ele me convidou p/
ir conhecer a cidade eu irei pois achei linda muito aconchegante, meu pai morou ou ainda mora nesta cidade é separado da minha mãe mora com a nova famila o nome dele
é MANOEL VICENTE DA SILVA se vc o conhece de lembranças minha a ele abraços

moacir candido do prado disse...

sinto saudades da rubineia, do veio mazzaropi que morava na vila uniao,do manso, da mirna, do maurinho, do marquinho do açougue,do bar do fidercino, da delice que trabalhava no correio, sou bisneto do seu paulo e dona fausta e neto do seu vicente que ajudaram a fundar a cidade na decada de 50, trabalhamos muito na fazenda do joao lopes pessoal bom que se foram com o tempo, hoje moro em sao paulo e fazem quase quarenta anos que nao fui mais ai, mas a saudade é muita, abraços a todas de rubineia

rubens pereira dos santos disse...

Li o artigo e voltei na minha infancia ai em Rubinéia. Meu pai era Selestrino Pereira dos Santos (falecido)e era mais conhecido como Alécio que trabalhava na FEPASA, e nós moravamos perto do depósito. Mudamos para Santa Fé em 1973, eu tinha 08 anos. Hoje moro em Porto Velho - Rondonia, mas tenho sempre minha querida Rubinéia, no coração e na mente.
Abraços.

Vânia Sbragia disse...

Eu morei em santa Fé do Sul por dois anos, conheci Rubinéia já em ruinas esperando as águas, eu e meus irmãos, para desespero da minha mãe adorávamos fugir de bicicleta e ir brincar em Rubinéia, andar por aquelas ruas era o máximo, rsssss, íamos tb até o rio nadar, sempre escondido, tinha também na beira do rio um homem que vivia em uma casa, ele tinha uma barba bem grande e não falava com a gente.

Anônimo disse...

ola

Anônimo disse...

nasci em rubineia morava em frente o bar de dona eudocia mae fo fernando semedo . tenho muitas saudades hoje moro em itapecerica da serra meu nome e antoniosergio borges meu email as.borges@globo.com

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