Folia de Reis
Folia de Reis, Companhia de Reis, Reisado ou Festa
de Santos Reis (em Portugal diz-se Reisada ou Reiseiros), é uma manifestação católica, cultural e festiva, classificada sobretudo no Brasil como manifestação folclórica, comemorativa da festa religiosa
da Epifania do Senhor ou
Teofonia, que se caracteriza por celebrar a Adoração dos Magos ao
nascimento de Jesus Cristo.
A denominação fala dos festejos entre o natal e o Dia de Reis – 6 de janeiro – e diz respeito tanto ao "cortejo de pedintes, cantando versos religiosos ou humorísticos, como os autos sacros, com motivos sagrados da história de Cristo (...) no Brasil, sem especificação maior, refere-se sempre aos ranchos, ternos, grupos que festejam o Natal e Reis" na definição do folclorista Câmara Cascudo, que completa: "o reisado pode ser apenas a cantoria como também possuir enredo ou série de pequeninos atos encadeados ou não".
Nestes festejos existem elementos musicais com a presença de vários instrumentos (desde acordeons, violões, violas, cavaquinhos, reco-reco, caixas, pandeiros, etc.) em que os participantes do reisado visitam as casas de porta em porta com sua cantoria, lembrando a viagem dos Reis Magos para levar ao Menino Jesus seus presentes de ouro, incenso e mirra. Esta manifestação revela a combinação de duas figuras da teologia: a epifania (como sendo a aparição ou manifestação divina, no caso a primeira manifestação de Jesus entre os gentios) e a hierofania (manifestação do sagrado em objetos, formas naturais ou pessoas); reúne, assim, elementos sagrados e profanos.
Histórico
A devoção aos chamados "Reis Magos", ocorria em toda a Europa durante a Idade Média; isto se deveu ao traslado em 1164 para a Catedral de Colônia, na atual Alemanha, dos supostos restos mortais dos três reis como despojos de guerra por Frederico Barba-Ruiva, para onde haviam sido levados a Milão como presente da rainha Helena de Constantinopla por volta do século IV ou V.
Durante esse período registros iconográficos da visita
dos Reis Magos foram sendo feitos em catacumbas, quadros, retábulos, sarcófagos, etc., e fizeram de Colônia um alvo de
peregrinações religiosas, tais como ocorriam em outras regiões consideradas
sagradas; neste contexto de romarias surgiram cantos populares de grande
importância no medievo europeu, chamados Noëls em França ou Villancicos, em Espanha.
Em Portugal sofreram esses cânticos a adição
do teatro de Gil
Vicente e, no Brasil, de José
de Anchieta e Manuel da Nóbrega, servindo de base às
manifestações existentes no país conhecidas como reisados, boi-de-reis,
pastorinhas, boi-de-janeiro e folia de reis.
Na cultura tradicional brasileira, os festejos de
Natal eram comemorados por grupos que visitavam as casas, tocando músicas
alegres em louvor aos "Santos Reis" e ao nascimento de Cristo; essas
manifestações festivas estendiam-se até a data consagrada aos Três Reis Magos, 6 de janeiro, trazida ainda
no período colonial pelos portugueses e hoje é uma tradição que se mantém viva
em pequenas cidades de todo o país.
Folia de Reis no Brasil
Câmara Cascudo registrou assim à folia de
Reis da cidade alagoana de Viçosa que
assistira em 1952: "tinha vários motivos, lutas do rei com os fidalgos, até
que era ferido, depois de prolongado duelo a espadas, sempre solando e sendo
respondido, em repetição e uníssono, por todo o grupo, espetaculosamente
vestido e com coroas e chapéus estupefacientes, espelhos, aljôfares, fitas,
panos vistosos com areia brilhante, etc.".
No Brasil, a visitação das casas, que dura do final de
dezembro até o Dia
de Reis, é feita por grupos organizados, muitos dos quais motivados
por propósitos sociais e filantrópicos. Cada grupo, chamado em alguns lugares
de Folia de Reis, em outros Terno de Reis, é composto por músicos, tocando
instrumentos, em sua maioria de confecção caseira e artesanal como tambores, reco-reco, flauta e rabeca (espécie de violino rústico), além da tradicional viola caipira e do acordeão, também
conhecida em certas regiões como sanfona, gaita ou pé-de-bode.
Além dos músicos instrumentistas e cantores, o grupo
muitas vezes se compõe também de dançarinos, palhaços e outras figuras
folclóricas devidamente caracterizadas, segundo as lendas e tradições locais.
Todos se organizam sob a liderança do mestre da folia e seguem com reverência
os passos da bandeira, cumprindo rituais tradicionais de inquestionável beleza
e riqueza cultural.
As canções são sempre sobre temas religiosos, com exceção
daquelas tocadas nas tradicionais paradas para jantares, almoços ou repouso dos
foliões, onde acontecem animadas festas com cantorias e danças típicas
regionais como catira,
moda de viola e cateretê.
Contudo ao contrário dos reis da tradição, o propósito da folia não é o de
levar presentes mas de recebê-los do dono da casa para finalidades filantrópicas, exceto,
obviamente, as fartas mesas dos jantares e as bebidas que são oferecidas aos
foliões.
Boi de Reis
O Boi de Reis, que recebe diversas outras denominações no Brasil, seria o "folguedo brasileiro de maior significação estética e social", no dizer de Renato Almeida; ocorre de meados do mês de novembro até o Dia de Reis (6 de janeiro) como parte do ciclo de Natal, estendendo-se até o carnaval de modo reprovado pelos que defendem a tradição.
Sua origem se dá no final do século XVIII, surgindo
inicialmente nos engenhos e fazendas de gado do litoral e depois se
interiorizando; sua origem é controversa e plural, havendo pesquisadores que
encontram referências tanto às culturas europeias como, sem comprovação,
africana; havia em Espanha e Portugal a presença de um boi falso feito de
arcabouço e coberto com pano com uma pessoa dentro que, antecedendo as figuras
dos reis magos nos desfiles, afastavam o povo pulando e dançando.
Apesar das possíveis influências, o festejo do Boi é
manifestação típica e única do Brasil.
Grupos Incrementados
Integrantes
·
Três reis magos: participantes
que personificam os reis que visitaram o Menino Jesus, quando ele nasceu:
Baltasar, Belchior e Gaspar.
·
Bastiões (palhaços): geralmente
três. Eles têm o costume de se chamar de irmãos e possuem obrigações e
proibições específicas (como jamais dançar diante da Bandeira). Sua principal
função é a proteção da bandeira e a solução do letreiro (que funciona como um enigma) feito pelo dono da casa com folhas e
flores, por exemplo, se são colocadas as letras VSR; eles falam um verso para
cada letra e dizem o significado, ou seja Viva Santos Reis (VNSA — Viva Nossa
Senhora Aparecida, VJC — Viva Jesus Cristo). Eles realizam acrobacias. Usando um
bastão vestem-se com máscaras, portam um apito com o qual marcam a chegada e a
partida da bandeira, durante as exibições dos bastiões, os espectadores atiram
moedas ao chão, em frente a eles para homenageá-los. Eles, então, alegram-se e
brincam entre si, empurrando as moedas com o bastão para que o outro palhaço as
colete, aproveitam para instigar o público a jogar mais dinheiro, que eles
colocam em sacolas para coleta desses donativos.
- Coro: é constituído
geralmente por seis pessoas que são, ao mesmo tempo, cantores e
instrumentistas o número, todavia, varia de entre as regiões. Cada membro
do coro tem sua função.
- Mestre ou embaixador: é o principal
personagem da folia, ou ainda chefe da folia, porque ele organiza a
logística do grupo, o trajeto, horários e os instrumentos, e é o
responsável por improvisar os versos cantados nas residências. Cabe aos mestres
a responsabilidade de manter viva a tradição e se encarregar da
transmissão oral dele, como lembra Luís da Câmara Cascudo.
- Bandeireiro ou alferes da
bandeira: tem
a função de carregar a bandeira do grupo respeitosamente. Ela é
apresentada ao chefe da residência onde a folia passa para receberem os
donativos oferecidos pelas famílias.
A bandeira, chamada de "Doutrina",
é feita de pano brilhante. Nela é colada uma estampa dos Três Reis Magos.
Representa diretamente O Menino Jesus. Constitui o elemento sagrado da
companhia e assim é tratada: beijam-na respeitosamente os moradores das casas
visitadas, é passada com muita fé sobre as camas da residência e nunca pode ser
colocada num lugar menos digno. Esse respeito perdura durante o ano todo, mesmo
passada a época de Reis: na casa onde fica guardada, há orações periódicas
diante dela. No universo cultural de nosso povo, a Bandeira é a representação
dos Três Reis Magos; por isso, explicam os mestres, ela deve ir sempre à frente
pelos representantes dos pastores que seguiram os Três Reis Magos.
·
Festeiro: figura importante,
pois é, geralmente, na sua residência que os foliões fazem a "tirada da
bandeira" e também é para onde é feito o retorno ao final do
"giro". Às vezes, é utilizada a casa do mestre para a saída e chegada
da bandeira ou a casa de alguma pessoa que, por motivo de promessa, arca com as
despesas da folia.
É importante destacar que, nas folias, não existe a participação
feminina conforme indica Porto: "Os Três Reis Magos não trouxeram consigo
suas esposas; se os foliões levassem mulher à folia, estariam deturpando o
sentido da representação"; também, dizem outros, nenhuma mulher visitou o
presépio de Jesus; admitir mulher entre os foliões, como participante, seria
desviar o sentido da dramatização. Porém, essa
ideia da não participação de mulheres, junto ao grupo de foliões que compõem a
cantoria, tem começado a se modificar em algumas regiões, como por exemplo em
Minas Gerais, região do Alto Paranaíba, município de Rio Paranaíba onde já pode
ser visto mulheres participando dos grupos de foliões.
Canções
Em algumas regiões, as canções de Reis são por vezes
ininteligíveis, dado o caos sonoro produzido. Isto ocorre, quase sempre, porque
o ritmo ganhou, ao longo do tempo, contornos de origens africanas com fortes
batidas e com um clímax de entonação vocal. Contudo, um componente permanece
imutável: a canção de chegada, onde o líder (ou capitão) pede permissão ao dono
da casa para entrar, e a canção da despedida, onde a folia agradece as doações
e a acolhida, e se despede.
No Sul de Minas, um grupo de Folia de Reis é
composta da bandeira ou estandarte que é decorado com figuras alusivas ao
Menino Jesus, ou mesmo com palavras relativas à data. Outro componente
importante é o bastião que se veste de modo característico, mascarado e sempre
porta uma espada, este tem a função de folião propriamente dito, levando
alegria por onde a folia passa, e como que abrindo caminho para a passagem da
folia que de certa forma representa os próprios Reis Magos. O bastião tem
também a função de citar textos bíblicos e recitar poesias alusivas. Na
sequência o grupo de vozes se organiza em mestre, ajudante, contrato, tipe,
retipe, contratipe, tala ou finório. Na verdade, esses nomes se referem a uma
organização das vozes em tons e contratons, durante a cantoria, o que leva a
formação de um coro muito agradável aos ouvidos. O mestre, por sua vez, tem o
papel especial de iniciar o canto, que é feito em versos e de improviso,
agradecendo os donativos da casa visitada. Os outros componentes, então,
repetem os versos, cada qual em sua voz, na cadência definida pelo mestre,
acompanhados pelos instrumentos que tocam. As músicas tem caráter geográfico,
histórico e sociológico, a exemplo podemos citar uma canção do reisado de
Zabelê:
" Hoje é o dia de ensaiar meu reisado.
Meu mestre, tenha cuido Hoje aqui neste salão. (bis)
Mas ô meu mestre, seu reisado de quem é?
Se é de moça ou de mulher. (?)
O meu palhaço que saber. (bis)
Se for de moça, de moça previna mais um cuidado.
Aonde tem cabra safado, não me importa de morrer. (bis)
Eu vou dançar é nas Águas do Cariri.
Meu mestre, cheguei, mas não foi para apanhar.(bis)
Encontro Nacional de Folia
de Reis
História
No século passado, mais precisamente no ano de 1950, foi
realizado um torneio folclórico, conhecido como: Torneio de Folias. Este evento
marcou a história da cidade e deu origem ao famoso Encontro Nacional de Folias.
Este é o mais antigo e a maior encontro de Folias do Brasil. Participam bandas
de várias localidades sobretudo nas pequenas cidades de estados como Minas
Gerais, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Goiás.
Localização
O encontro nacional de Folia
de Reis acontece todos os anos na cidade capixaba de Muquí. Esta cidade, que
fica ao sul do estado do Espirito Santo, está situada na Região Turística dos
Vales e do Café, e permite aos visitantes da folia a apreciação de imóveis
tombados pelo Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Espírito Santo.
Programação
A abertura oficial do evento é feita normalmente na Tenda
Cultural no Jardim Municipal, que se situa no centro da cidade onde acontece a
cantoria das bandas participantes da Folias de Reis. Acontece em paralelo a
reunião dos Mestres das Folias no teatro da cidade: Teatro Neném Paiva.
Depois, já na parte da
tarde, temos o cortejo das Folias de Reis nas ruas principais que seguem em
direção à Igreja matriz São João Batista. A Igreja matriz é rica em detalhes,
tem na cúpula da capela-mor uma pintura do italiano Giuseppe Irlandini e seus
altares são confeccionados em mármore Carrara. Lá acontece o ápice do encontro que é a bênção
pelo padre de todos os componentes e visitantes da folia
Já
no entardecer temos a apresentação das Folias na região central da cidade, que
finaliza no grande encontro na Tenda Cultural com apresentação dos Palhaços.
No
início da noite acontece a entrega de troféu de participação a todos os
representantes das bandas e depois finalmente o encerramento com Show musical
na Tenda Cultural.
Bibliografia
CÂMARA CASCUDO, Luis da —
Dicionário do Folclore Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Italiana, 1984.
MOURA, Antônio Paiva — Turismo e Festas Folclóricas no Brasil. São Paulo;
Editora: CASTRO, Zaíde Maciel de; COUTO, Aracy — Folia de Reis. Cadernos de
Folclore nº 16; Editora Arte. FUNARI, Pedro Paulo e PELEGRINI, Sandra C. A. — O
Patrimônio Histórico e Cultural; Editora Zahar, Rio de Janeiro 2006.